domingo, 24 de outubro de 2010

trilogia machado de assis: augusto meyer


A impotência sentimental do sarcasta [i.e. machado], por uma fatalidade da compensação afetiva, produz uma violenta paixão de análise. Quando o monstro cerebral descobre 'o mundo da lua' que há na própria cabeça, se estabelece por lá e não quer outra vida. A sua paixão tem a monotonia mas também a sedução acre de um vício, pois o espírito então se masturba com uma espécie de volúpia incestuosa.

MEYER, Augusto. "O homem subterrâneo". In Textos Críticos. São Paulo, Ed. Perspectiva, s.d., p. 197.

Agora tenho mais certeza de que os detratores de Machado são muito mais interessantes do que seus apologistas. Meyer também afirma, sobre Memórias Póstumas, que "Esse homem escrevia livros como só um morto poderia escrever, porque vivia fora do mundo, no seu subterrâneo eterno" (198).

Porque tem algo no Machado de extremamente venenoso. E isso a crítica posterior a ele, a partir do Estado Novo, transformou em uma visão a respeito da monarquia, e não uma visão a respeito do mundo. Só assim conseguiram transformar Machado num escritor nacional, porque, afinal, ele não fala sobre nós. Fala dos agregados do segundo reinado, dos negros alforriados, da aristocracia palaciana, mas não sobre nós. Deve ser por isso, de repente, que ninguém consegue inocentar a Capitu, porque de alguma maneira, ainda somos o tipo de gente que acha que o Bentinho tinha razão e que mulher adúltera tem mesmo é que morrer sozinha.

Bom, e assim, os sujeitos que se sentem implicados -- Sílvio Romero, Augusto Meyer -- vêem essa crítica do Machado muito viva. Dão a ela o poder que ela tem, e não a deslocam historicamente. Machado dá um tapa na cara de todos nós, ele nos odeia. E nem cria, como muitos hoje, um lugar salvaguardado para ele e para a arte, onde nós, pessoas sensíveis, podemos estar a salvo (no melhor estilo Rousseau de o mundo é cruel e nós somos puros). Não somos muito melhores do que isso, é o que Machado diz. Romero e Meyer tentam nos defender.

Estamos perdidos.

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